DESILLUSIONE OTTICA
galeria portinari - palazzo pamphilj | roma 2015
curadoria e texto: elisa byington
"Na magia lírica da desfiguração e refiguração de suas imagens, o trabalho de Marcia afasta-se dos condicionamentos do ver é conhecer e responde com ironia à tautologia minimalista do “what you see is what you see”. A artista incorpora a imaginação e outras configurações do pensamento ao seu olhar caleidoscópico sobre o mundo, onde tudo é ilusório, incerto, mutável, e convida o espectador a experimentar um tempo dilatado. À aceleração do mundo real, que regurgita imagens irrefletidas, ela propõe a lentidão contemplativa, a fruição delicada, jocosa, subjetiva, intransferível."
(texto na íntegra ao final da página)
prisma juno, 2015
caixa em MDF com backlight, imagem impressa em duratrans e bastões cilíndricos em resina transparente
63 x 63 x 63 cm
caixa em MDF com backlight, imagem impressa em duratrans e bastões cilíndricos em resina transparente
63 x 63 x 63 cm
prisma vênus, 2015
caixa em MDF com backlight, imagem impressa em duratrans e esferas em resina transparente
63 x 63 x 63 cm
horizonte acqua, 2015
caixa em vidro 6 mm com backlight, imagem impressa em duratrans e quatro garrafas de água
28,2 x 26,2 x 15,5 cm
caixa em vidro 6 mm com backlight, imagem impressa em duratrans e quatro garrafas de água
28,2 x 26,2 x 15,5 cm
retroprojeção santa agnese, 2015
dois retroprojetores e duas imagens impressas em duraclear
400 x 400 x 400 cm
dois retroprojetores e duas imagens impressas em duraclear
400 x 400 x 400 cm
DESILUSÃO ÓPTICA
por Elisa ByingtonAs ilusões do olhar e a capacidade de encantamento ligada à visão sempre inspiraram o trabalho de Marcia Xavier. Na invenção de artifícios óticos, a artista explorou a transitoriedade das imagens por meio de superfícies rígidas, aquosas, espelhadas, vítreas, retas ou curvas, cujas variações possíveis, infinitas, pareciam querer dissolver as ilusórias certezas da razão.
Na magia lírica da desfiguração e refiguração de suas imagens, o trabalho de Marcia afasta-se dos condicionamentos do ver é conhecer e responde com ironia à tautologia minimalista do “what you see is what you see”. A artista incorpora a imaginação e outras configurações do pensamento ao seu olhar caleidoscópico sobre o mundo, onde tudo é ilusório, incerto, mutável, e convida o espectador a experimentar um tempo dilatado. À aceleração do mundo real, que regurgita imagens irrefletidas, ela propõe a lentidão contemplativa, a fruição delicada, jocosa, subjetiva, intransferível.
Marcia fotografa para transformar as imagens em outra coisa. Para criar um mundo próprio que não quer refletir o existente. Razão pela qual, para ela, é indiferente que as imagens utilizadas sejam registradas por sua mão ou por qualquer outra, que sejam fotos ou estampas. A afirmação da sua autoria está nos recortes, na eleição dos fragmentos e sua recomposição, nos meios que elege a cada vez para construir seu universo de imagens e possibilidades de percepção e pensamento.
A artista convoca o observador como parte da obra, que necessita da sua ação para ser revelada. Seja para manipular os objetos que pedem para ser tocados, seja em sua movimentação no espaço para colher a variedade dos efeitos luminosos.
Na atual exposição, logo na entrada, o olho magico, posto na janela, conta com a cumplicidade do observador que se aproxima, para propor certa ficção espaço-temporal. A calota do Pantheon na imagem da gravura antiga, surge como se estivesse ali. À ela se sobrepõe a imagem agigantada do braço e da mão da artista, metáfora e metonímia da sua presença, que procura alcançar o óculo central como se fosse tocar o céu. A disparidade da natureza e escala das imagens, na colagem de matriz surrealista, realizada durante a residência artística em Roma, dá forma à experiência da simultaneidade espaço-temporal vivida na fruição da cidade, e oferece um contraponto ao deslocamento espacial do monumento, situado, na verdade, algumas centenas de metros adiante.
As caixas luminosas no chão da Galeria sugerem um jogo imaginário de reflexos, à semelhança de espelhos d’agua que pudessem refletir imagens situadas em outro espaço, no caso, os afrescos de Pietro da Cortona que decoram o teto do andar nobre do Palazzo Pamphilj, logo acima. As caixas trazem as imagens dos ovais que retratam Vênus e Juno no célebre afresco, as duas divindades rivais que se defrontam na travessia marítima de Enéas que deixa Troia em chamas. Vênus pede armas a Vulcano, seu esposo, para proteger Enéas, seu filho; Juno pede a Eolo que desencadeie ventos e tempestades tais que impeçam o herói de chegar ao litoral do Lácio, seu destino. Para cada uma delas, há cilindros ou bolas de acrílico, que pedem para ser tocados e deslocados sobre a superfície luminosa para multiplicar seus efeitos, animando as figuras e fazendo-as flutuar no espaço.
Na segunda sala, a luz fraccionada nas sete cores que a compõem, parece se fundir com a musica e suas sete notas, entoada no canto ambrosiano que invade o ambiente e comove, envolvente como um ritual barroco. A imagem multicolorida e especular das mãos de Santa Inês, obtida com os artifícios da retroprojeção, traz em si a instabilidade imagética de um teste de Rorscharch, que solicita de imediato a subjetividade do espectador, no exercício de decifração da sua ambiguidade. Equilibrada entre sacro e profano, erótico e fantasmagórico, sua beleza e capacidade de sedução parecem feitas para refletir os sonhos e temores de cada um.
Neste caso também, a imagem fotográfica traz para dentro da galeria ícones distintivos de um outro espaço. As mãos em simetria que recebem o espectador, pertencem à estatua da igreja ao lado, homenagem à santa martirizada no antigo circo romano, cuja estrutura, a sua vez, subjaz à toda a Praça. E assim, aqui também, analogamente às imagens e seus planos perceptivos simultâneos, os elementos do espaço visível parecem conduzir ao espaço invisível, presente, todavia.